XX - XY

quinta-feira, dezembro 23, 2004

" Hear my train a commin' "

Watching all these people from my window, stuck in traffic, and in case you haven't noticed, in case you haven't figured it out, I'm alone, and I can feel it as never before.
It is common for me to feel these feelings but to question all is not. Not everybody understands me and I'm sorry for that. Excuse me but I tend to mistake people for something else...
So I guess that makes it my problem and I know it. Could it be that I always need that special attention?

E num momento percebo que sou especial. Não especial como tu e ele, ou ela e aquela, mas especial pelo mundo que criei e do qual não posso fugir. É um mundo especial, bonito, mas só quando visto da minha janela especial. Não se consegue ver daí de fora. É muito difícil entrar e sinceramente não desejo que alguém o faça. Este mundo é pequeno demais para duas pessoas e demasiado grande para uma. Demasiado grande para mim!
É solitário este mundo.
Nada é de graça.
Mais um dia, mais um euro, mais um cigarro. Quem me salva de mim?
Todas estas pessoas, correria infernal, tantos vícios a alimentar. Quem me salva de mim?
Alma perdida, estico a mão, fecho os olhos e adormeço por segundos. Quem me salva de mim?
E então apanho o próximo avião e voo para terras distantes, onde ninguém me conhece, onde posso ser quem eu quiser e ali fico durante alguns anos, cimentando as bases que deveriam servir agora para erguer em direcção ao céu um monumento ímpar.
Às vezes aprende-se a voar antes de sabermos andar. E aqui em cima é fácil olhar para todos e parecer pequeno aos olhos dos que nos vêm do chão. Ainda não aprenderam a voar. Muitos não precisam, muitos não querem, outros não conseguem. Eu queria andar.
Tento descobrir-me agora que adulto, aprender quem sou na realidade, arrependendo-me muitas vezes de quem fui, tentado perceber se mais vale sentir e não fazer nada ou fazer tudo, não sentir e esquecer tudo logo depois.
Não vou fugir e o despertador acorda-me. São sete e meia da manhã. Sonhei outra vez.
Sonho sempre que sou outra pessoa. Acordo.
Abro a janela do meu carro e olho para fora.
Já não há trânsito...

posted by Mike at 12/23/2004 06:05:00 da tarde 4 comments

sábado, dezembro 04, 2004

Tarde demais...

-Às vezes sinto-me preso. Como se tivesse raízes. Como se fosse uma àrvore. Preso a algo que não percebo muito bem. Como se não pudesse mexer os pés.
Grito e as pessoas passam por mim, sem me ver. Como se fosse invísivel, como se não existisse. Os meus gritos acabam por suspirar.
-Às vezes sinto-me amado à medida que puxas fios de memória de mim. Como se de repente percebesse a merda do puzzle.
Se eu fosse um rei do tamanho do mundo e me lembrasse de tempos mais novos que eu, se o mundo me levantasse no topo de tudo. Se eu tivesse tudo, podia ter tudo, sem ganância nenhuma, se eu fosse o topo de tudo e do tamanho do mundo, no topo de tudo, levantar-te-ia nos meus braços? Se as memórias, mais novas que eu, moldassem o barro, tomando figura, se eu tivesse força para continuar, levando-te comigo, o que me restaria neste mundo?
Se eu tivesse tudo.
Até chegarmos ao castelo de areia amarela que se ergue no horizonte.
Fi-lo com toda a areia do mundo, juntei todas as conchas e decorei todo o castelo.

- Que palhaçada, pensou enquanto relia o que tinha escrito. Não vou a lado nenhum com isto. Castelo de areia? Conchas? -Riu-se- . Vou tentar outra coisa.

É meia noite. Dia de Natal. Sente-se uma agitação calma mas tensa na rua. Estão em casa com a família a partilhar um ritual qualquer.
-Eu não. Estou sozinho em casa.
Acende mais um cigarro e aumenta o volume da televisão.
Lembra-se de perceber o Natal. De sentir que era uma altura agradável.
-Agora é um dia como outro qualquer. Aproveito para descansar. E amanhã se me apetecer ainda me sento ao computador. Aproveito e acabo aquele trabalho.

-Não. Não vou escrever sobre o Natal. Não assim. Vou tentar outra coisa.

Lentamente levantou-o com os braços e segurou-o firmemente contra o peito.
Apanhou o saco que tinha preparado nessa tarde e protegendo a cabeça do filho com o capuz azul do fatinho que tinha comprado nessa tarde, abriu a porta.
Comprou-o na sua loja favorita e comprou-o porque naquela noite ia fazer frio.
- Eu voltei. Eu voltei bebé. Vim-te buscar. Não chores meu quiduxo, vamos já embora.
Ele não chorou. Sentiu-se confortável naquele colo desconhecido e não chorou.
Renata olhou uma vez mais para trás e fez-se à estrada. O táxi ainda esperava por ela, conforme lhe tinha prometido.
-E então? Tem tudo?
-...Como? Ah, sim tenho tudo...
-É seu?
-O quê?
-O bebé.
-O beb... Ah sim. É meu. É meu!
-Giro o puto. E então pa onde?
-Estrada Marechal Ângelo Fernandes.
-Ok... Noite fria esta, não?
-Pois. Tá frio.
E o tempo parou. Em suspensão perfeita, um equilíbrio perfeito entre o nada e o tudo. Entre o agora e o ontem.
Aquele olhar, espantado, esfomeado entre a mãe e o filho voou pela noite e pelo céu, em direcção à lua, nas asas brancas do vento suave. O silêncio mais forte que todos os sons e barulhos abraçou-os e deixou tudo para trás.
-Cá estamos. Dezassete euros e trinta.
-Guarde o troco. Muito obrigada. Boa noite.
Despediu-se e saiu do carro. Não fechou a porta e ali ficou a olhar para o filho, num estado de graça incomensurável.

-Desisto. Hoje não sai mesmo nada...
posted by Mike at 12/04/2004 07:40:00 da tarde 1 comments