XX - XY

Chovia e fazia um frio de rachar. Através da minha janela consigo ver a cidade molhada.
Na televisão histórias de pessoas que dizem que são melhores que eu e eu concordo. E então começo a pensar se realmente faz sentido tudo isto de me sentir só. E apeteceu-me rezar. Mas nunca o fiz antes, ou melhor já há muito muito tempo que não o fazia. E preciso salvar a minha alma. Sinto-me só e sem razão aparente. Esta fome de vida tornou-se demasiado cara. Na rua vultos apressados abrigam-se. E vejo um mendigo de viola na mão sentado na entrada de um prédio corporativo enorme. E ninguém pára para o ouvir. Será que ele se importa? Que tem ele para dizer? E apeteceu-me ouvi-lo. Mas não saí de casa.
Abri um livro e li uma quantas páginas, por momentos vivo uma outra vida e descanso a mente e a alma (!) e deixo-me perder por entre os lençóis. Amanhã será um novo dia.
E amanhã vou ouvir o mendigo. O que será que tem ele para dizer?

Apetecia-me escrever e não tinha a mínima ideia do quê.
Então um pouco a medo lá fui premindo uma série de caracteres que magicamente inscreviam no fundo branco outras tantas que, qual pintura tomavam forma. E ainda não tinha dito nada.
Podia falar de alguém ou algo... Ou podia simplesmente deambular uma qualquer história. E não tinha dito nada.
Então percebi que hoje não ia escrever nada de jeito. Uma espécie de bloqueio.

E porque não tenho nada para dizer...

Pois já se adivinhava que o concerto em Lisboa - Pavilhão Alântico -, no passado dia 1 ia ser bom. O que não nos disseram era que ia ser tão bom. Nem foi tão bom. Foi melhor. A sério. como pode alguém com uma viola e armado de uma voz que por sinal até é divinal pode fazer com que 20'000 (vinte mil é muita gente) pessoas fiquem completamente hipnotizadas?
É que para onde quer que eu olhasse (antes de sentir o efeito do hipnotismo, porque eu sou daqueles duros. Dos pouco impressionáveis.) toda a gente (menos eu) estava completamente vidrada no homem.

Verdade seja dita ele tem o que é preciso. Além de uma exímia mestria no manuseio das guitarras é dotado de uma voz que nos chega bem fundo. Tão fundo que nos faz questionar as nossa próprias verdades, os nossos príncipios. Não os meus porque eu sou difícil, mas os das outras pessoas?
Aposto que ate haviam pessoas arrepiadas. E a chorar. Não estavam tristes note-se, estavam era a ser bombardeadas com positivismo, com verdades absolutas, com sinceridade, com melodias divinas, com humanismo.

E nem falo do resto da banda, sim porque essa destroçou o recinto de tal forma que era impossível estar parado. O baixista cujo coração bate ao ritmo do funk estava inspiradissímo.
E quando saimos ninguem dizia nada. Estavamos todos a digerir aquela esturpação de sentimentos. Eu fui o primeiro. Claro.

Um grande músico, uma grande banda, uma grande noite.

Ouçam...
Please Bleed.
Uma das minhas preferidas
Percebem?

Obrigado Ben Harper and The Innocent Criminals pela noite maravilhosa... Eles nunca a vão esquecer. Eu também talvez não a esqueça...