XX - XY

terça-feira, novembro 22, 2005

It can't rain all the time...


A minha vida. Ou as ironias da minha vida. Ou as celestialmente orquestradas e intrincadas tramas desta malha esburacada que rege a minha existência.
E depois há dias assim. Que pela sua surpresa e magnitude nos fazem sentir menos pequenos. Pela humildade, pelo amor, pelo carinho e por tantas outras coisas que nos fazem sentir que é desta que nos seguramos num nó da malha...
Esta é a minha pequena homenagem a um escritor que recentemente descobri...



O Sr. em questao é Edson Marques.
O que não seria suficiente para tanto alarido. Não fosse ele ter escrito isto:

Mude

Edson Marques

Mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.

Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.

Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde
você passa.

Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os teus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.

Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.

Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.

Durma no outro lado da cama...
depois, procure dormir em outras camas.

Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais...
leia outros livros,
Viva outros romances.

Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.

Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.

Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
a nova vida.

Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.

Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.

Escolha outro mercado...
outra marca de sabonete,
outro creme dental...
tome banho em novos horários.

Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.
Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.

Troque de bolsa,
de carteira,
de malas,
troque de carro,
compre novos óculos,
escreva outras poesias.

Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.

Abra conta em outro banco.
Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.

Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só.
E pense seriamente em arrumar um outro emprego,
uma nova ocupação,
um trabalho mais light,
mais prazeroso,
mais digno,
mais humano.

Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.
Seja criativo.

E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa,
longa, se possível sem destino.

Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.

Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já conhecidas,
mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda !


Pois...
Eu sei...
Há dias assim...

Podem encontrar mais aqui.


Obrigado!

posted by Mike at 11/22/2005 10:31:00 da tarde 4 comments

domingo, novembro 20, 2005

1920 compressed theories on the evolution of purging


Sempre que esticava as pernas no jardim e olhava para a árvore que tantas vezes o tinha entretido quando criança, pensava que ia viver mais anos que ela.
Todos os anos no dia do seu aniversário, tomava o pequeno almoço e fazia-se à estrada. O proprietário do terreno já nem exigia aviso prévio. Era uma data que, como o Natal, não se discutia.
Chegava, estendia a toalha e passava ali um momento que nunca ninguém roubara desde que tinha sentido a calma que a sua árvore podia proporcionar.

Há exactamente 5 anos o momento que agora vivia tinha sido partilhado em doses exactamente iguais com a sua alma gémea. Lembrava-se de querer imortalizar aquele momento para sempre. Em silêncio, a olhar o céu, a tentar perceber que formas tomavam as poucas nuvens que apareciam por cima deles. A mão que gentilmente deslizava na relva molhada da noite, quase imperceptivelmente tocava a dela humedecendo os dedos até se deixar, cansada, aquecer na delicada e suave mão que a recebia.
E lembrou-se da exacta sensação que o fez naquele momento decidir gravar as iniciais dos dois na velha árvore que tantas vezes os abrigara. Era o seu sítio favorito.
Esculpiu com a destreza de mestre carpinteiro duas letras que se tocavam timidamente, alternando o olhar atento no canivete, com a absolutamente hipnotizante imagem dela deitada sobre o vigoroso verde da relva que agitada pela leve brisa, devolvia pequenas bolas de fogo, deixando as gotas de água brincar com os raios de sol.
E o Tempo tinha parado.
Fechou-se ao mundo. Não ouvia, não sentia, não cheirava. Naquele momento toda a vida do universo estava ali, à sua frente.
Fechou e abriu os olhos rapidamente e ficou ali, em pé, calado a olhar a mulher mais bonita que conhecera. Desejou que aquele momento nunca acabasse.
Sentindo os joelhos molharem ao ajoelhar-se suspirou: "Gosto muito de ti".

Olhou por cima do ombro e viu as duas iniciais já escuras, esculpidas na velha árvore, as mesmas que tinham acabado depois de terem feito amor naquela tarde de verão.

Fechou os olhos. Sentiu o doce aroma da pele que tantas vezes tinha acariciado, um doce perfume que o embriagava sempre que avidamente o tragava em longas e profundas inspirações.

Lembrava-se das longas conversas que tinham. Conversas sobre nada e sobre tudo. Lembrava-se de tantas vezes terem que terminar abruptamente de conversar porque distraidamente as horas avançavam pela madrugada deixando atrás de si outras tantas de risos, perguntas, desafios, declarações, sonhos, conselhos, reprimendas, mas principalmente um prazer enorme de comunicarem.

A sua tarefa de todos os dias, era agora, tentar recriar nas suas memórias todos os momentos que tinha passado ao lado dela, para descobrir a tarefa difícil que era. A explicação, para ele, era que a dificuldade de recriar e visualizar acontecimentos reais depois de filtrados pela magia de um sonho raramente correspondiam em detalhe à realidade.

E assim havia decidido viver a sua vida. Na busca constante de momentos que nunca mais voltariam mas que pela intensidade com que os revivia eram tão reais como as letras inscritas naquela árvore. E todos os dias durante anos, ia descobrindo e guardando pormenores e detalhes, que enriqueciam e pintavam de saudade a vida cinzenta a que se dedicava agora.

Tudo perdera a beleza e interesse. A luta era não deixar sair essa visão obscura de algo que se lembrava ser a maior dádiva de sempre. Viver.

E durante demasiado tempo nunca ninguém se apercebera da luta constante que era sair da cama e fingir ser alguém que não era. E de tanto e tão bem o fazer já quase que permitira que a mentira tomasse conta do seu ser. Tudo até o dia em que conheceu a pessoa que para sempre se iria dedicar a mudar a visão taciturna a que sem querer havia permitido tomar conta de toda a sua existência.

Era uma tarde de Outono, escura e fria, mesmo ao seu jeito.

O frigorífico vazio obrigava a uma ida ao supermercado pelo que aproveitou a energia de um café, tragado num só gole na mesa posta para jantar. Há cinco anos que a esperava para jantar, sentando-se sempre no mesmo lugar.

Dirigiu-se para a porta, alcançou as chaves do carro que inanimadamente se deixavam ficar no prego que haviam comprado na viagem a Itália.

A inscrição “La Città” prendia-o sempre alguns segundos relembrando com saudoso carinho a cara da vendedora ambulante a tentar perceber se estavam a tentar regatear ou a gozar com ela.

Sorriu e saiu.

Quando ela andava era como se arrastasse o peso do mundo consigo e tão graciosamente quanto possível deslizava sibilantemente como se todo o tempo parasse para que não houvessem distracções desnecessárias. Era como se retirasse prazer em cravar os saltos na calçada, lenta e elegantemente, passo após passo.

Várias noites sentado na sacada com uma garrafa do vinho italiano que ela gostava, apesar de ser demasiado frutado para o seu gosto, à espera de a ver chegar simplesmente para poder observar à distância aquela mulher, fizeram-no perceber como aquele andar tinha tanto de calmante como de deliciosamente inquietante.

Os chuviscos surpreenderam-no. Entrou no carro e dirigiu até ao supermercado que ficava duas ruas abaixo.

Antes gostava de fazer compras, era sempre divertido e nunca igual, sempre que iam os dois como duas crianças excitadas de passo acelerado, pelos corredores à procura dos preços mais baratos, de um novo sabor ou simplesmente daquelas coisas que sabiam que o outro gostava.

Agora muito raramente conseguia retirar prazer de uma tarefa tão rotineira como abastecer o frigorífico.

Através da janela do supermercado viu-se reflectido e achou que era altura de um novo corte de cabelo e definitivamente de uma novo guarda-roupa.

Adiou a ida às compras e como se movido por uma estranha força positiva sentiu a ansiedade que durante tanto tempo o tinha acompanhado mudar de intensidade. Era como se esta fosse a demanda da sua vida.

Esboçou um tímido e disfarçado sorriso enquanto pensava em como iria explicar à cabeleireira o que pretendia.

Subiu os vários andares nas escadas rolantes que ficavam mesmo no meio do centro comercial, pelo que permitiam uma vista panorâmica de toda a azafama de uma sexta-feira à noite.

As crianças a correrem desenfreadas em direcção ao cinema, os aprumados vendedores a tentarem fechar mais uma venda, as senhoras da limpeza a tentarem em tempo recorde deixar mais uma mesa limpa de restos de comida e copos vazios, varrendo a área com um olhar cansado e gasto, um jovem grupo coral enchia as alas com joviais cantos adaptados de grandes êxitos de outros tempos, fizeram-no perceber do mundo em que vivia. Naquele momento percebeu ingenuamente de que havia vida para além da rotina diária casa-trabalho. Percebeu o tempo que tinha perdido à espera de algo que sabia ser impossível de acontecer.

Desde o dia em que a perdeu tinha-se fechado num estranho mundo letárgico em que as muralhas de tão altas não deixavam ver que um mundo colorido e interessante, em constante movimento acontecia mesmo ali à sua porta.

Desde o dia do acidente que não se tinha permitido experimentar simples prazeres que outrora de tão banais haviam perdido o significado. Estava agora a redescobrir-los com agradável perplexidade.

Saiu da escada e debruçou-se sobre a varanda. Sentiu a falta dela. Lembrou-se do dia anterior ao do acidente de terem discutido à porta da bilheteira qual o filme que iriam ver.

Uma comédia romântica tem sempre o seu lugar numa quinta à noite.

posted by Mike at 11/20/2005 10:13:00 da tarde 4 comments

domingo, novembro 06, 2005

Block me


- Não, não. Não é assim que se fazem as coisas.
- E quem és tu para decidir como se faz ou se deixa de fazer o que quer que seja?
- Não sou ninguém, mas não me parece certo.
- Não te parecer certo não te dá o direito de me julgar.
- Pois não tens razão. Mas...
- Mas nada! Então não tínhamos decidido viver a vida como nos parecesse melhor?
- Sim eu sei, tens razão mas a verdade é que eu não tenho a certeza se o consigo fazer...
- Mas foste tu que quiseste que as coisas acontecessem assim.
- Eu sei...
- Então?
- Não sei, não tenho a certeza de que é assim que quero fazer as coisas.
- Mas é assim que eu as vou fazer. É o que preciso. Entendes isso?
- Ok. Pronto! Não digo mais nada. Faz o que tens a fazer...
- E faço. Que mal tem fazer a cama momentos antes de adormecer?
- ...

posted by Mike at 11/06/2005 08:33:00 da tarde 2 comments